domingo, 11 de maio de 2008

Terremoto em São Luís do Maranhão

Sim é verdade! Em São Luís do Maranhão aconteceu hoje (11 de maio de 2008) um terremoto. O abalo sísmico se iniciou por volta das 08h09m33s e atingiu sua magnitude às 08h13m15s, mas felizmente não houve nenhum tipo de dano ao nosso já combalido (e mal cuidado) patrimônio histórico, uma vez que o tremor não causou vítimas fatais eis que apenas alguns ouvidos ficaram seriamente avariados e sabem por quê?

Porque este abalo sísmico não é mensurado na escala Richter, mas sim na famigerada escala Créu[1], uma música idiota que se espalhou de norte a sul do país bem mais rápido do que qualquer surto de dengue.

Voltando ao meu domingo eu acordo cedo (por volta das seis da matina), e sempre cumpro o mesmo ritual: beijo minha mulher dando a ela um bom dia e dizendo o quanto a amo; saio do quarto e vou ao encontro dos meus filhotes (dois pequenos cães chamados Zeus e Bono Vox) que me recebem de forma sempre festiva (não importando se estão agoniados para irem ao quintal fazerem suas necessidades fisiológicas após a noite de sono na copa da casa). Após soltar os pets na área externa me dirijo à frente da casa para pegar o jornal enquanto deixo o café passando no fogão.

Café passado, preparo a mesa com as xícaras, pratos e talheres e faço minha salada de frutas. Esquento o pão na chapa e degusto com prazer minha primeira xícara de café da manhã. Neste momento o relógio marca umas sete e meia da manhã e confortavelmente me instalo para ler os periódicos dominicais, afinal de contas é preciso ler nos jornais as pequenas mentiras de forma imparcial para compreender o Estado do Maranhão!

Após uns trinta minutos de leitura sou surpreendido pelo início de um ruído que atinge meus tímpanos ao tempo em que sacode as estruturas da minha casa. O ruído assim dizia: “É a dança do créu mané! É créu, é créu neles! É créu, é créu nelas! Vamo bora, vamo que vamo!”.

Assustado, vendo a casa tremer e os meus cachorros latirem em tom de desespero, pensei no pior: um terremoto tal qual aquele que houve em São Paulo há poucos dias.

Num relance vi a minha vida passar, pensei na minha mulher dormindo o sono dos anjos; pensei na minha família, pai, mãe (hoje é dia das mães), irmã; pensei nos pets que corriam e latiam desatinadamente pelo quintal e o tremor aumentava à medida em que o barulho invadia minha casa e era ainda o nível 01: “Créééééuuuuu”.

Suando frio me lembrei de que alguns clientes do escritório de advocacia ainda me devem (e muito) honorários e fiquei triste em perecer aos quarenta anos sem receber o “dim-dim” fruto do meu trabalho mas logo voltei à realidade quanto o tremor atingiu o nível 02: “Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu.”

A garganta estava seca e eu em estado de choque não tinha mais coragem de esboçar um movimento sequer, quando o estrondo aumentou, nível 03: “Créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, tá ficando difícil, hein.”

Dizem que na hora do desespero o ser humano busca forças onde não tem e vence obstáculos que em situações cotidianas ele (o homem comum) não conseguiria e foi isso mesmo que aconteceu comigo.

Num ato súbito despertei do transe do medo e pulei da poltrona! Correndo ao quarto abri a porta e Raquel estava dormindo. Fui a janela da copa vi meus cães correndo e ladrando de forma meio desesperada eis que o barulho ensurescedor e os tremores continuavam. Por último fui ao portão da frente da casa e, pasmem, lá estava o epicentro do terremoto: uma camioneta importada de um playbosta[2] que tinha na parte da carroceria uma verdadeira parede de caixas de som.

O babaca é namorado da minha vizinha e, presumo, veio reentregar o presente das mães à futura sogra (deixando a namorada em casa após a noite inteira na balada ou no show do Chiclete com Banana que emporcalhou a área da Praia Grande na noite de sábado).

Refeito do susto o paredão de caixas de som cuspiu em meus ouvidos o nível 04: “Créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu... tá aumentando mané!”.

E terminou mandando o nível 05: “velocidade cinco na dança do créu... créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu (6x) e mais... Créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu, créuu (8x).”

Enquanto isso a namocréia (cruzamento de namorada com mocréia) do playbosta adentrava seu singelo lar em coreografias que deixariam aquele personagem tosco que se autodenomina lacraia com ares de uma noviça rebelde.

O playbosta saiu, fazendo cantar os pneus do automóvel (demonstrando assim sua suposta virilidade como é de praxe a este subgrupo da espécie humana), e com ele se foi o ruidoso “tremor do créu” deixando a rua na paz dominical onde pude voltar a ouvir o cantar matinal de alguns pássaros sobreviventes (como eu) ao terremoto.


Para quem gosta de funk, este texto pode ser considerado uma crítica mordaz mas, sinceramente, não me levem a mal porque enquanto finalizo esta crônica, toca, ao longe, um pseudo-forró que diz: "chupa, chupa, chupa que é de uva!" então o mal está generalizado e os nossos bons ouvidos sofrerão terremotos diários de norte a sul do país.


É Brasil, que cultura hoje tem teu povo... um dia na minha vida eu achei que Luis Caldas dançando "Fricote" ou Sandro Becker cantando "Julieta tá" era algo bizarro. Eu estava enganado... como eu era feliz e não sabia.


Bom domingo às mães (sem o créuuu, Senhoras, pelo amor de Deus!).


[1] Créu, Melô, música (?) estilo funk carioca composta por um cidadão que se denomina Mc Créu.
[2] Play (corruptela de playboy): palavra de originária do idioma inglês que no Brasil serve para identificar tipos que possuem atitudes idiotizadas não importando a idade. Os plays podem ter de 18 a 81 anos, embora alguns já manifestem os sintomas por volta das 11 ou 12 anos. Playbosta: resultado da manipulação genética do play com o excremento (bosta) em si.

2 comentários:

M.L. disse...

Não tem jeito, os Playbostas existem no Brasil e se concentram nas áreas civilizadas e aparecem em maior número próximo às ditas melhores escolas e universidades, e são mais perceptíveis a medida que seu poder aquisitivo alcança valores com mais de 5 dígitos...

E o Créu... Fala sério... Começou com Carla Perez e cia essas musiquinhas com 3as, 4as intenções e se espalhou... hoje a molecada acha bonito ouvir e dançar ao som desses barulhos que transmitem a sexualidade da maneira mais errônea possível: a vulgar!

Mais ridículo é ver as ditas camadas altas da sociedade, que supostamente tem mais acesso ao conhecimento e a cultura, se curvarem diante desses modismos e ainda acharem bonito.

Triste!

Excelente crõnica!

Abraços

Marcus Laranjeira

Guilherme disse...

Brilhante, magnífico!!!

Vc conseguiu sintetizar de forma crítica, ao mesmo tempo irônica, a decepção de uma sociedade que contou com um Tom Jobim, com um Vinícius, com Chico, Casusa, Gilberto Gil, Caetano e tantos outros poetas e compositores maravilhosos que este País gerou e se vê diante de "coisas" calamitosas, de barbaridades, de aberrações como o tal do créu.
Fruto do descaso e demolição planejada que durante décadas se abateu sobre o ensino e cultura brasileiro; fruto da corja que manipula e aliena sistematicamente nossa juventude através da TV, das estações de rádio, dos jornais e revistas e de outros meios de comunicação monopolistas; fruto ainda de uma série de calamidades como 20 anos de ditadura entreguista e sanguinária; aí está o produto ou um dos produtos: "CRÉU".
Tem outros: pobreza, miséria, analfabetismo, violência urbana e rural, marginalização, concentração de renda etc.

Parabéns pela crônica!!!

Abração,

Guilherme